"Escreve-se para não ser solitário e por amor aos outros: se você não tiver essa solidariedade, é bobagem escrever" (Ignácio de Loyola Brandão)

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Algumas palavras ...

Meu primeiro contato com os desenhos de Adão Iturrusgarai foi quando eu ainda era adolescente, em 2000 ele passou a colaborar quinzenalmente com a revista Capricho através da personagem Kiki, e assim passei a conhecer o trabalho desse grande cartunista.
Adão Iturrusgarai nasceu em Cachoeira do Sul, no Rio Grande do Sul, e foi em sua cidade natal, ainda com 17 anos que ele publicou seu primeiro desenho no Jornal do Povo. Estudou Publicidade e Propaganda na PUC-RS, em 1991 editou a Revista DUNDUM e logo depois foi para a França onde publicou nas revistas “Chacal Puant” e “Plag”. De volta ao Brasil, em 1994 lança a revista “Big Bang Bang”, trabalha como redator de alguns programas humorísticos na televisão como Casseta & Planeta e TV Colosso. Ainda nesse mesmo ano é incorporado ao trio “Los 3 amigos”, que têm em sua composição,Angeli, Laerte e Glauco.
Atualmente publica sua tira diária Aline no Jornal Folha de São Paulo, Jornal do Brasil, Tribuna do Norte em Natal, Diário de Pernambuco e Correio da Manhã em Portugal. Casado com uma argentina, com quem tem uma filha, Iturrusgarai mora em Gaiman, a 1.450 km de Buenos Aires, uma “colônia galesa encravada na Patagônia argentina", como ele costuma afirmar em seu site.
Aí estão alguns dos trabalhos deste brilhantíssimo cartunista:

















sábado, 15 de janeiro de 2011

Encontro com o passado

Eis um belíssimo conto de Elsie Lessa, que poderia ter sido escrito por mim, pois nele há todo os sentimentos que permearam minha infância e que ainda hoje fazem parte de mim. 




- Caí fora, Nina! Isto não é brinquedo de mulher...
Aquilo me doía como um tapa. Eu mordia o beiço, sentia no rosto uma quentura de ódio e ia pra dentro... Vinham lá de fora, do quintal claro de sol, gritos, risadas, correrias... Luisinho, Carlos e os meninos da vizinhança brincavam de piratas, pulavam o muro, vermelhos, sem camisa, a testa escorrendo suor. (...)
E eu no exílio. A única menina da casa, mamãe me proibia de tomar parte nos brinquedos masculinos.
Doce e persuasiva, tentava me convencer:
- Você está com onze anos! É quase uma mocinha... Esses brinquedos não servem... Isso não são modos de menina... Veja Lainha!
Lainha era o fantasma da minha meninice, tudo o que eu devia ser e que não era, o exemplo invocado a todas as horas, para minha amargura e meu ódio. Branca e loura, os cachos macios descendo até a barra do vestido, a sua voz tranquila e os seus gestos mansos eram o desespero do meu estabanamento. Eu tinha no íntimo uma admiração calada e enraivecida por aquela figura de santa, posta como padrão diante das minhas travessuras!
Água morna!
Lainha chegava de visita, o vestido impecável de babadinhos, faixa na cintura, fita no cabelo, corrente no pescoço, de que pendia uma medalhinha de ouro: "Deus te guie"...
Aquilo era uma humilhação constante, invariavelmente, tia Lola virava-se para mim e dizia:
- E a sua, Nina, quedê? Fiz questão de mandar fazer duas iguaizinhas para vocês se lembrarem sempre uma da outra. Acho tão bonito a amizade de primas...
Mamãe explicava humilhada como é que eu perdera a minha.
Tia Lola, feliz, principiava o elogio de Lainha:
- Essa menina nunca perde nada! Nunca vi! Os vestidos dela, quando dou para a filha da empregada, parece que saíram da loja! Não servem mais, mas estão novinhos...
Eu já estava no fundo do poço das humilhações. Mamãe pousava em mim um olhar tristonho, sem responder. Eu rememorava os meus vestidos rasgados.
Tia Lola, embriagada de orgulho materno, propunha:
- Toquem qualquer coisa a quatro mãos! Lainha está acabando o 5º Schmoll!
- Nina agora é que está no 3º! Atrasou-se um pouco...
- Começaram juntas, não foi? - fazia questão de frisar tia Lola.
E lá ia ela para o piano, sozinha. Eu não tinha remédio senão admirar. 
Lainha fazia rodar o banquinho, graciosa e delicada. Endireitava o vestido, num modinho bonito. E - suprema inveja! - passava a mão sob os cachos pesados, jogava-os nas costas, dourados e brilhantes, num gesto de rainha.
Eu sumia na poltrona, analisando o seu perfil perfeito, as mãos brancas dançando no teclado... Em minha frente, o espelho grande da sala, de moldura dourada, era qualquer coisa de implacável: jogava-me, como um insulto, uma magricela pálida, de cabelo preto e escorrido!
- Índia! Cegonha!
Aquilo vinha aos gritos, nas desavenças diárias. E combinava doloridamente, para minha vaidade feminina, com a opinião insuspeita de Luzia, que aconselhava mamãe, enquanto fritava bolinhos, vagarosa e sensata:
- Essa menina tá ficando com jeito de potrinho novo, com aquelas pernas compridas... A senhora precisa comprar um fortificante pra ela!
Pra que é que eu tinha nascido mulher? Não tinha jeito nenhum para a coisa. O piano me irritava, as bonecas me desinteressavam, o bordado me enlouquecia. Tinha uma impressão machucante de inferioridade, sempre que era posta à parte num brinquedo ou num passeio, por ser menina.